Monday, December 25, 2006

Ouve lá ó Pai Natal

Ouve lá ó Pai Natal!, desta vez vou fazer-te pedidos sérios e espero que os oiças e os concretizes com igual grau de seriedade. Não quero respostas como a que me deste o ano passado em que te pedi para me deixares no sapatinho uma mulher bonita e inteligente e tu, feito palhaço!, respondeste que com essas características, e ainda por cima aplicadas de forma conjuntiva, me arriscaria a encontrar lá um homem. É claro que ripostei contra essa tua atitude machista, e do que é que isso me serviu? Carta vai carta vem e fiquei todo o ano a lerpar. Por isso ó Pai Natal, desta vez é muito a sério!
Não te vou pedir nada de especial, isto é, nada que não te peça todos os outros dias do ano em que não é Natal. Iria começar por te exigir uma casa e um carro novos, se não soubesse de antemão que irias entrar em argumentações e teorias do absurdo, assim, e só por isso, venho dizer-te para deixares a casa e carro sobre a minha responsabilidade mas, se não for muito incómodo, seres tu a tratar-me da burocracia envolvente. Nada que um Pai Natal, reformado assumido, não possa resolver nos tempos livres, quando passar esta fase alta. Prepara-me a planta, a licença de construção, regista-me essa coisa absurda a que se chamam de “o livro de obra”, olha-me a vistoria, a licença de habitação, o pré registro, o registro, a escritura, a selagem do contador da energia que aquilo sem o selo de chumbo não funciona, a baixada dos palhaços do SMAS que cobram ao metro linear de tubo mais que os ourives da Póvoa cobram ao metro linear de ouro, trata-me de toda a catrefada de impostos, o IMT e os outros, os de selo, seja lá o que isso signifique, os selos 17.1, 17.15 o 18, não sei se há mais mas pelo menos esses estão lá garantidinhos, não te esqueças de preencher o formulário a pedir a isenção de contribuição autárquica durante os 3 primeiros anos, depois muda-me, com um gesto de mágica que apenas a ti pode ser reconhecido, todos os endereços na minha documentação, nada complicado, olha só, a carta de condução, o cartão de contribuinte, o cartão da segurança social que nada segura no meu caso, o cartão do serviço nacional de saúde, todos os cartões de cada um dos movimentos a que pertenço, incluindo o dos alcoólicos anónimos, o meu bilhete de identidade o qual ainda ouso exibir com orgulho desmedido e patético. Trata-me disso porque em Portugal ainda é inconstitucional um português ter apenas um número. Olha-me toda essa burocracia e os burocratas que fazem andar o mundo à velocidade alucinante da escorregadela do caracol.
Depois Pai Natal, este ano recuso-me a pedir-te a paz no mundo. Sabes que o peço todos os dias e nem é com as intenções hipócritas do controlo dos preços da energia e tudo à sua volta. Não to peço porque quero facilitar-te a tarefa. Solicito apenas que acabes com algumas das injustiças sociais que grassam em Portugal e que, para espanto do meu espanto, parece que ninguém as vê ou as quer ver. Começa pelas injustiças sociais chamadas política e futebol. Pronto!, podes deixar para lá a injustiça social que é um homem feio andar com uma mulher bonita, mas as injustiças política e o futebol, por favor, cuida-me delas sem mais delongas. Digo-te com a maior das parcimónias que, se fores capaz de lidar com essas, todas as outras serão para ti como quem limpa cus a meninos.
Por último, e para que não digas que sou um chato, cria-me uma Santa Casa de Misericórdia, outra, uma nova, uma que não se chame Estado Português, com gestão privada, se faxavor.
Reiterando a cordialidade inicial e agradecendo antecipadamente a atençãozinha, me subscrevo: Bocados

Tuesday, December 12, 2006

Herr Camões

Um alemão seria capaz de escrever os “Os lusíadas”?
Nein! Claro que não. Se Luís Vaz de Camões fosse alemão escreveria algo sobre os químicos emitidos pelas amígdalas emocionais que disparam sempre que o intelecto neurótico e recalcado ousa conjecturar sobre o futuro ou, porque não, sobre a aerodinâmica e a ergonomia das naus e todas as forças relativas e envolventes, como o atrito produzido pela água que aumenta, talvez, linearmente com a sua salinidade. Um alemão dissertaria sobre o vento sempre de forma pragmática, desnecessariamente sintética, fria e cruel. Os monstros marinhos que se cuidassem pois seriam reduzidos à classe mesquinha e fútil das tempestades. Coitaduxo do Adamastor!, aquela figura que “se nos mostra no ar, robusta e válida, De disforme e grandíssima estatura, O rosto carregado, a barba esquálida, Os olhos encovados, e a postura Medonha e má, e a cor terrena e pálida, Cheios de terra e crespos os cabelos, A boca negra, os dentes amarelos” (Os Lusíadas, canto V, 39), que para o Camões Bosh não passaria de uma terrena e simples tempestade provocada pelo efeito de condensação. Seria, usando dos preceitos científicos, a entrada num centro de baixas pressões, marcado por ventos e precipitação fortes, e trovoadas, auxiliada pelas duas correntes marítimas opostas que levantavam o mar no ar e lhe davam um aspecto, sem nos deixarmos acometer pela emoção, medonho.
Uma obra como “Os Lusíadas” jamais poderia ser tão terra-a-terra, mais não seja porque foi vivida grandemente no mar. Só povos com formas de vida errantes podem ter a mínima pretensão de realizar uma obra assim tão grande e espectacular.
Até os fabulosos sonetos de um Herr Camões seriam condensados em prosa fatidicamente científica. “O amor é fogo que arde sem se ver”... isso é que era doce! Se há alguma coisa que arde é porque está provida de algum elemento combustível.
No amor e nas viagens os alemães planeiam. Nas viagens e no amor os portugueses sonham. O sonho dá, à imagem de Os Lusíadas, grandes epopeias líricas. O planeamento, o máximo que nos pode dar, são desvios do real em relação ao planeado e um conjunto de dados mais afinados para as próximas acções de planeamento. Por isso é que os “Os lusíadas” não poderiam ser escritos por um alemão. É hormonal.
Muitos dos alemães passam a vida a planear. Muitos dos portugueses perdem-na a sonhar... Um preço igualmente justo a pagar por algum alento.

Tuesday, December 05, 2006

Logotipo

Não sei por que raio o smartgroups acabou. O logotipo deste blog estava lá alocado. Cá para mim foi a google que comprou o smartgroups, fechou-o, para daqui a dias o abrir renovado e com mais funionalidades. A ver...
Entretanto fica a imagem aqui para a poder indexar de novo ali, no canto superior direito.


Friday, December 01, 2006

Memento

Dou comigo no centro da pista, enrolando uma dança de que me julgava incapaz, à espera que alguém me pregasse com uma garrafa no centro da cabeça. Nada! Às vezes é melhor desfalecer do que adormecer. Desfalecer é mais puro. Eu acho!
O bar está repleto de machos de peito ao léu, alguns com enormes terços pendurados. Ele há cada uma! Há alguém que se solta e foge. Olham para mim. Quando assim é é lixado: Só eu sei que não fui eu e nem me adianta jurar. É um dos poucos segredos que conseguimos manter mesmo que não queiramos.
Há um par que inicia ali mesmo uma relação. Há cinquenta pares que iniciam ali mesmo uma relação. Adoro a facilidade com que hoje em dia se inicia uma relação.
Decido concentrar-me na dança para dela me distrair abruptamente. Uma loira e uma morena, acabadinhas de chegar, esboçam um sorriso só para mim. Duvido. Duvido feliz mas vacilante. Os caçadores de rosários ao peito duvidam também. A injustiça social favorece-me nesta fase da minha vida. A loira chama-me com a sua mão esquerda. Fico inseguro - grande roto eu sempre me saio. Respondo-lhe com a minha mão direita para que seja ela a vir ao centro da pista – gosto de jogar em casa. Diz que não. Repito. Diz que não. Repito. Diz que não. Repito. Diz que não. Ganho coragem. Ela tem mais ou menos 1,90 m de altura, com salto, faça-se notar. É agradável ter tantos centímetros de beleza à nossa frente. Pergunta-me num mau inglês se falo inglês. Arrisco com um sim de cabeça para encetarmos uma conversa que naqueles locais é sempre de surdos. Raramente consigo conversar numa discoteca: O barulho fere-me os ouvidos e o álcool adormece-me a língua. “Blá, blá, blá”. Digo-lhe que sou do norte do país e ela diz-me que é da Rússia e se quero ficar com ela em particular. Perplexo, perco-me à volta dos conceitos. Particular não radica da mesma fonte que privado. Uma pessoa pode ter um particular sem tem um privado, não é assim? O particular está associado à ideia de exclusivo. O privado não tem a ver com exclusividade, tem a ver com intimidade. Até onde um particular significaria para ela um privado? Ou seria, para a russa e para os russos, um particular a mesma coisa que um privado? Não se baralharia com o inglês, sempre falado no presente mesmo quando se referia ao passado, sendo um privado que ela se propunha a oferecer-me?, um privado de 1,90 m de altura? Privado é o contrário de público. Particular é o contrário de universal. Tomar uma cerveja numa das mesas do bar, rodeado de uma centena de pessoas, era sem dúvida um particular, pelo menos até ao preciso momento em que a cerveja terminasse ou o restante povo se sentasse na nossa mesa. Depois, ou teria que mandar vir mais uma cerveja, ou a coisa viraria universal – por expropriação. Um privado até pode meter cerveja mas tem que meter mais qualquer coisa, tem que ser mais íntimo, não é assim?
É sempre isto! Perco-me nos conceitos e na raiz das coisas. Há sempre um mas ou um mais que para mim resulta num menos: É um pêlo a mais, uma palavra a mais, numa frase a mais, uma hesitação a mais. Uma porra a mais!
Como seria de esperar fiquei, entretanto, sem conversa. Eu gosto de discutir a vida e a vida não se discute com “iésses” nem “nous”. Disse-lhe que tinha que ir embora e que amanhã continuaríamos. Senti-me, por um lado, aliviado. Sei que não funciono bem sem, pelo menos, me fingir apaixonado e esse fingimento só me vem depois de um número razoável de dias. Grande praga me rogaram!
Saí de fininho… Os caçadores, fazendo figura de abutres, atacaram.